Reunião Especial reforça repúdio a projeto atual do Rodoanel
Insatisfação com traçado une prefeitos, lideranças e ambientalistas. Presidente da ALMG cobra suspensão para análise
A lista de problemas do projeto do governo estadual do Rodoanel Metropolitano parece não ter fim. Esse é o saldo da Reunião Especial de Plenário sobre o tema realizada na manhã desta sexta-feira (26/11/21), sob o comando do presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputado Agostinho Patrus (PV).
Ao longo de aproximadamente três horas, a quase totalidade dos pronunciamentos foi de repúdio à realização das obras nos moldes até agora propostos pela equipe do governador Romeu Zema.
Essa lista começa pelo traçado problemático proposto, que obedeceria apenas à lógica da cobrança de pedágios sem contemplar as sugestões dos municípios. Passa ainda pelos impactos ambientais e sociais com prejuízos incalculáveis.
E, por fim, se estende ainda até a suspeita de a obra atender, na prática, prioritariamente aos interesses de mineradoras e, mais grave ainda, de grandes multinacionais do setor financeiro, de obras e de estradas que teriam se instalado por meio de prepostos na cúpula da Secretaria de Estado de Obras e Infraestrutura (Seinfra) de olho na futura concessão da rodovia.
O traçado do Rodoanel proposto pelo governo estadual passa por dez municípios da RMBH, cortando bairros densamente povoados de Betim e Contagem, além da Área de Preservação Ambiental (APA) Várzea das Flores, que fica no limite entre os dois municípios. As duas prefeituras defendem um traçado alternativo, circundando a APA, que exigiria teoricamente os recursos e reduziria os impactos socioambientais.
A obra será custeada com aproximadamente R$ 3,5 bilhões, que é uma parcela dos recursos oriundos do acordo celebrado pelo Executivo com a Mineradora Vale para a reparação de danos causados pelo rompimento de barragem da mineradora em Brumadinho (RMBH), em janeiro de 2019, que matou 273 pessoas, deixou oito desaparecidas até hoje, além de comprometer toda a Bacia do Rio Paraopeba.
A utilização desses recursos foi avalizada pela ALMG, com a aprovação do Projeto de Lei 2.508/21 no Plenário.
Debates
Engajada nas discussões, a Assembleia já promoveu outros debates sobre o Rodoanel ao longo do ano. Mas, diante das inúmeras reclamações de lideranças municipais, representantes de entidades sociais e ambientais e especialistas em transporte e mobilidade urbana, a ALMG decidiu convocar gestores do Estado para realizar a Reunião Especial de Plenário, que deve marcar o início de um novo esforço do Parlamento mineiro para discutir melhor a proposta do Rodoanel.
As reclamações quanto as audiências de consulta pública e reuniões técnicas realizadas pelo Executivo são de pouca transparência, baixa divulgação e mobilização, horários e locais inconvenientes e até problemas técnicos com espaços e equipamentos utilizados.
Suspensão
“Existem ainda pontos obscuros na proposta. A Assembleia de Minas se propõe a auditar todos os estudos pois somente assim poderemos dar o aval final desta Casa a esta obra tão importante para Minas Gerais”, cobrou Agostinho Patrus.
O presidente da ALMG disse ainda que vai oficiar o Estado para que suspenda imediatamente todos os trâmites do processo relativo à construção do Rodoanel até que o projeto possa ser avaliado por técnicos da Casa e outros especialistas independentes.
“Não queremos inviabilizar o Rodoanel, mas o interesse público deve sempre estar à frente nas discussões. A Assembleia estará sempre vigilante na sua missão de fiscalizar as ações do Executivo”, completou Agostinho Patrus.
Prefeito de Betim denuncia amadorismo, ingerência de empresas e até fraude
As críticas mais contundentes realizados ao projeto atual do Rodoanel foram feitas pelo prefeito de Betim, Vitório Medioli. Em sua apresentação, ele detalhou o trajeto proposto pelo Executivo e as duas sugestões já feitas pela prefeitura local, a segunda consolidando apontamentos feitos pela Prefeitura de Contagem.
Mas, segundo ele, ambas foram sumariamente rejeitadas pelo Executivo estadual sob o argumento equivocado de custo maior. Isso, segundo ele, não é verdade conforme os estudos técnicos já apresentados na proposta de Betim, ao contrário da proposta oficial, que seria baseada em “cálculos aleatórios”.
“A cada dia nos parece mais que há o interesse de fazer um grande negócio para grupos econômicos que já destruíram o Brasil e as grandes estatais”, afirmou Medioli.
Ele também denunciou a forma amadora como as audiências e reuniões técnicas têm sido conduzidas pela Seinfra. O prefeito acusou ainda o Executivo de esquecer o interesse público da obra e se preocupar apenas com a futura concessão, já pensando no cálculo do pedágio. Nos cálculos feitos pela Prefeitura de Betim, o valor da tarifa cogitado é mais de 11 vezes mais caro por quilômetro do que o mais caro pedágio cobrado no Brasil.
Guetos
Segundo Medioli, além dos impactos ambientais e sociais do traçado, a característica do Rodoanel, com poucos pontos de acesso, vai transformar regiões inteiras da sua cidade em guetos, comparando a futura via ao Muro de Berlim.
Baseado nos cálculos da Prefeitura de Betim, o prefeito disse estranhar que a futura concessão, que terá duração de 30 anos, se pagará em apenas 14 meses, fora o crescimento constante de veículos, que pode ser o dobro da estimativa utilizada pelo Executivo já no início do funcionamento do Rodoanel. “Não há nenhuma transparência”, sentenciou.
Ligações suspeitas
Medioli ainda denunciou as ligações pregressas da cúpula da Seinfra com consórcios que exploram outras rodovias brasileiras, tendo por trás grandes corporações multinacionais. Essas ligações supostamente comprometedoras constam inclusive de um fluxograma incluído na apresentação feita pelo prefeito no Plenário da ALMG.
Ele denunciou ainda uma tentativa de fraude na divulgação da proposta de Betim e Contagem pela Seinfra com mudanças no documento original, o que, segundo ele, será alvo de perícia e investigação pela Polícia Civil após queixa do Executivo municipal.
Prefeitos da Grande BH unidos pela revisão do projeto
O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, também questionou a capacidade técnica da cúpula da Seinfra, segundo ele, formada majoritariamente por advogados e não especialistas em mobilidade e infraestrutura.
“Estão usando uma metologia primitiva para discutir o traçado, já falando até no valor do pedágio”, disse.
Ele também corroborou as suspeitas sobre quais seriam os reais interesses que norteiam o projeto no âmbito da Seinfra. “O que o prefeito de Betim disse é estarrecedor”, alertou Kalil.
Contagem
A prefeita de Contagem (RMBH), a ex-deputada Marília Campos, também cobrou o cancelamento imediato de todas as audiências em que o traçado do Rodoanel está sendo discutido, lembrando que em reunião recente promovida pela Seinfra em Contagem o microfone disponibilizado sequer funcionava.
Por isso, ela defende que o Executivo analise melhor a proposta conjunta de Betim e Contagem. “O traçado proposto impactará diretamente mais de um milhão de pessoas. Nossa proposta contempla as necessidades de mobilidade sem rasgar a Bacia de Vargem das Flores”, avaliou.
Já o prefeito de Brumadinho (RMBH), Avimar de Melo Barcelos, lembrou que a oportunidade de debater a obra somente é possível em virtude da tragédia ocorrida na cidade, pedindo um minuto de silêncio pelas vítimas. Por isso, segundo ele, a oportunidade de fazer o que for melhor para os moradores da RMBH não deve ser desperdiçada.
Ele apoiou o projeto de traçado proposto pelas prefeituras de Betim e Contagem, mas cobrou melhores condições de acesso de Brumadinho para o restante da região metropolitana, o que possibilitaria o desenvolvimento econômico mais diversificado da cidade.
Nos pronunciamentos, críticas ao projeto e sugestões de alternativas
Diversos participantes da Reunião Especial também se pronunciaram, todos contrários à construção do Rodoanel nos moldes atuais propostos pelo Executivo.
Em linhas gerais, eles sugeriram um tempo maior de debate antes do início das obras, pediram alterações pontuais no traçado e defenderam até mesmo que o Estado desista da obra e priorize outras intervenções em prol da mobilidade urbana na RMBH, como investimentos no Anel Rodoviário atual e na ampliação do metrô e na reativação do transporte ferroviário de passageiros, como funcionou até o final da década de 1970.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT) cobrou a instalação de uma Comissão Extraordinária na ALMG que se dedique exclusivamente ao debate do projeto do Rodoanel, apelidado por ela de “Rodominério”, por atender a interesses do escoamento da produção de empresas mineradoras.
Já o deputado Virgílio Guimarães (PT), que se disse impressionado com a comoção e a unanimidade do repúdio da obra, defendeu ainda a instalação de uma frente parlamentar para ampliar a discussão do tema.
Justificativas
Por problemas de saúde, o titular da Seinfra, o secretário Fernando Marcato, participou remotamente da Reunião Especial. Primeiro a se pronunciar, em sua apresentação ele alegou que o projeto do Rodoanel tem sido objetivo de ampla consulta pública desde o início do ano, embora os primeiros estudos técnicos remontem a fevereiro do ano passado.
Segundo ele, os critérios gerais do projeto são a maior agregação de veículos, evitando que os mesmos circulem dentro da RMBH, menor custo possível, baixo impacto socioambiental e, ainda, respeitando os planos diretores dos municípios impactados e o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI-RMBH). Por tudo isso, segundo ele, fica muito difícil atender plenamente o traçado sugerido pelos municípios.
Legenda da foto em destaque: O clima na Reunião Especial foi de repúdio à realização das obras do Rodoanel nos moldes até agora propostos pelo Executivo – Foto: Guilherme Bergamini
Fonte: Reunião Especial reforça repúdio a projeto atual do Rodoanel – Assembleia de Minas (almg.gov.br)