O kit de alimentos está sendo distribuído pelo CEFET-MG aos 6.126 alunos matriculados no ensino médio técnico integrado
De acordo com o Censo Agropecuário 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a agricultura familiar tem participação significativa na produção de alimentos que vão para a mesa do brasileiro: nas culturas permanentes, responde por 48% da produção de café e banana; nas culturas temporárias, 80% da produção de mandioca, 69% de abacaxi e 42% da produção de feijão. Apesar de ocuparem só 23% da área total da agropecuária brasileira, a agricultura familiar emprega mais de 10 milhões de pessoas e 77% dos estabelecimentos agrícolas do país foram classificados nessa modalidade.
O kit de alimentos que está sendo distribuído pelo CEFET-MG aos 6.126 alunos matriculados no ensino médio técnico integrado tem esse DNA. Isso porque todos os itens da cesta (arroz, feijão, leite em pó, café, canjiquinha, fubá de milho e suco de uva integral) são oriundos da agricultura familiar. A ação foi coordenada pela Diretoria de Desenvolvimento Estudantil (DDE) e custeada pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), fundo que já é responsável por parte dos recursos destinados aos restaurantes da Instituição. Uma resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) permitiu o uso do dinheiro para compra e entrega de kits de alimentos diretamente aos estudantes da Educação Básica em razão do período pandêmico da covid-19.
Começou, então, uma mobilização no CEFET-MG para o uso desse recurso, como conta a diretora da DDE, professora Carolina Riente. “As nutricionistas das Coordenações de Desenvolvimento Estudantil de todos os campi tiveram um papel fundamental, com o desenvolvimento de estudos preliminares e comparativos. Tivemos também o apoio da Diretoria de Planejamento e Gestão, que trabalhou com prazos enxutos para realizar a chamada pública em tempo hábil”, afirma.
O investimento total foi de R$1,1 milhão, para adquirir 9.617 kits da Cooperativa dos Trabalhadores da Reforma Agrária Terra Livre – todos de origem agroecológica. A lei estipula que 30% do valor do recurso do PNAE deve ser destinado a produtos de agricultura familiar. O que o CEFET-MG fez foi usar todo o recurso nessa modalidade. Como explica a nutricionista do campus Varginha Andreza de Figueiredo, a oferta de produtos da agricultura familiar na alimentação escolar se tornou obrigatória a partir de 2009. “Ela visa à oferta de alimentos produzidos sem o uso de agrotóxicos, ou seja, orgânicos ou agroecológicos e, desde então, foi responsável por uma mudança de contexto, fortalecendo pequenos produtores e impactando positivamente na situação econômica de suas famílias e das suas comunidades rurais”, afirma. Carolina Riente completa, destacando os ganhos sociais. “Com isso, estamos cumprindo uma dupla função social do recurso, que é atender aos alunos e suas famílias e também contribuir com a manutenção de famílias de produtores agrícolas”, conta.
Para além dos ganhos dos produtores, também os estudantes são beneficiados com a agroecologia. “Há ganhos relevantes como a ingestão de alimentos de época, regionais, mais saudáveis e livres de agrotóxicos. Eles são produzidos em um contexto que prioriza a sustentabilidade e, num escopo mais amplo, todos ganham face à garantia de uso responsável da água e do solo e da proteção do meio ambiente”, afirma Andreza
Agricultura familiar, sim, é tech, pop, tudo
A cesta foi produzida pela Cooperativa dos Trabalhadores da Reforma Agrária Terra Livre, habilitada pelo chamamento público do CEFET-MG em primeiro lugar. A Cooperativa, localizada no município de Nova Santa Rita, Região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, surgiu em 2008 por iniciativa de famílias assentadas da reforma agrária. Seu objetivo é apoiar as famílias na busca por alternativas produtivas na geração de renda, permitindo a permanência no campo, por meio de sua reprodução econômica, social e cultural, numa perspectiva sustentável. De acordo com o representante comercial dos produtos “Terra Livre” Mauro Oteiro, que trouxe, presencialmente, a proposta da Cooperativa para o chamamento público, hoje, a organização conta com 914 famílias associadas, sendo que 80% são de assentados da reforma agrária, pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
A organização, que já participa de vendas voltadas para a merenda escolar, por meio do PNAE, atualmente atende a instituições de ensino em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia, Paraná e Rio Grande Sul. De acordo com Mauro, a comercialização direta com as escolas possibilita acesso ao mercado de forma justa, valorizando o trabalho e o produto. “Com isso, a gente rompe com a exploração, com a figura do atravessador, que comprava na safra quando queria, depois vendia para outro. Agora, no caso do arroz, por exemplo, já temos nossa própria semente, nosso custeio com o agricultor, nosso próprio maquinário, nossa indústria. Em todos esses processos, nós vamos eliminando um grau de exploração. Mas nada adiantaria se, no final, não houvesse um mercado”, explica o representante, que acrescenta: “Rompendo com a exploração financeira, conseguimos eliminar outros tipos de exploração (de gênero, de raça etc.) que se dão nessas cadeias do agronegócio”.
Refazendo(a)
Não bastasse ser de agricultura familiar, o kit é, ainda, de produtos orgânicos ou agroecológicos, sem aditivos químicos ou com quantidade reduzida em comparação ao cultivo habitual, na contramão do Projeto de Lei nº 6.299/2002, que flexibiliza as regras para produção, fiscalização e uso de agrotóxicos no país, que, mesmo já aprovado na Câmara dos Deputados, é rechaçado por importantes órgãos federais, como Anvisa e Ibama.
Segundo Mauro Oteiro, os alunos do CEFET-MG e suas famílias vão consumir produtos 100% orgânicos, frescos, certificados, de excelente qualidade, sem nenhum tipo de exploração. “Falo isso, porque nossos produtos têm que cumprir inúmeras cláusulas contratuais: de validade, não pode mudar marca, não pode alterar contrato de indústria; enquanto na licitação, a empresa vencedora só precisa entregar um produto ‘xis’ que não esteja estragado. Nutricionalmente, então, há um abismo entre nossos produtos e aqueles comprados no pregão”, explica.
Até o fim de março, cerca de 2.600 kits já haviam sido distribuídos pelas diretorias de todos os campi da Instituição. Qualquer estudante de cursos técnicos integrados do CEFET-MG pode se inscrever para o apoio, sem nenhuma seleção prévia. Um dos primeiros a buscar as cestas foi Gabriel Vitor (foto à esquerda), estudante de Mecatrônica do campus Nova Suíça (Belo Horizonte). Após receber os alimentos referentes aos meses de janeiro e fevereiro, ele conta que achou a iniciativa importante e destacou o fato dos alimentos serem orgânicos. “A cesta colaborou para a alimentação da minha família: vieram muitos alimentos e coisas que usamos sempre, como arroz”, diz. Ele também vê a importância para seus colegas e todos os estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica: “Algumas pessoas podem acabar não tendo a renda suficiente para ter uma alimentação de qualidade, no nível em que o CEFET-MG está distribuindo”.
João Otávio Ferreira, aluno do terceiro ano do Técnico em Edificações no campus Varginha, aprovou a qualidade dos itens: “Gostei muito dos produtos; foi de imensa ajuda, porque, atualmente, até esse tipo de alimento, que deveria ter um preço acessível, está subindo. Então, o kit ajudou muito”, conta. Sobre a origem orgânica e de agricultura familiar, o estudante revela que não sabia, e reforça para que a iniciativa tenha continuidade: “Achei muito interessante. Na minha opinião, o CEFET-MG deveria fazer isto mais vezes para ajudar as famílias responsáveis por produzir esses alimentos e os alunos da Instituição”.