Tragédia-crime de Brumadinho: a Justiça precisa ser feita para que mineradoras parem de ‘matar em nome do lucro’, diz vice-presidente da AVABRUM
Andresa Aparecida Rocha Rodrigues, vice-presidente da AVABRUM, participou do seminário virtual “Quatro anos de impunidade após rompimento da barragem em Brumadinho”, promovido pelo Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos
A vice-presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM), Andresa Aparecida Rocha Rodrigues, disse que as empresas mineradoras “seguirão matando em nome do lucro”, se não for feita Justiça em casos de tragédias como a de Brumadinho (MG). Ela participou na última sexta-feira (20/01) do seminário virtual “Quatro anos de impunidade após rompimento da barragem em Brumadinho”, promovido pelo Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos, organização europeia que acompanha de perto os impactos socioambientais causados por rompimentos de barragens provocados pela atividade de mineração no Brasil.
Segundo ela, familiares e atingidos pela tragédia-crime de Brumadinho têm enfrentado “dor, tristeza e revolta” em razão das “injustiças” praticadas pela Justiça no Brasil, referindo-se à decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de transferir para a Justiça Federal a jurisdição do processo penal do rompimento da barragem de rejeitos da Vale, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, na cidade de Brumadinho.
Na próxima quarta-feira, serão completados quatro anos da tragédia que resultou em 272 vítimas fatais, dentre elas duas grávidas e seus bebês que estavam sendo gestados. Para os 4 anos do crime da Vale, a AVABRUM, instituições e organizações parceiras começaram a realizar, a partir deste domingo (22/01), várias ações em honra e memória às vítimas.
Crime em nome do lucro
A decisão da Segunda Turma do STF foi tomada em dezembro do ano passado, acolhendo recursos de réus da ação penal para que o caso fosse transferido da Justiça do Estado de Minas Gerais, onde o processo tramitava há cerca de três anos, para a Justiça Federal. Conforme a AVABRUM, a mudança de instância judicial amplia os riscos de impunidade em relação ao caso. “Nós temos certeza de que a injustiça é o principal combustível para que as mineradoras sigam matando. Se não houver justiça, matar em nome do lucro e do capital vai continuar valendo muito a pena”, declarou Andresa.
Segundo o advogado Danilo Chammas, coordenador do Observatório de Processo Penal sobre a Tragédia de Brumadinho e um dos assessores jurídicos da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER), todos os atos da Justiça do Estado de Minas Gerais adotados na tramitação do processo penal nesses cerca de três anos serão invalidados em razão da transferência do caso para a Justiça Federal.
Chammas, que também participou do seminário, disse que uma nova denúncia do caso terá de ser apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF). Em consonância com a decisão da Segunda Turma do STF, a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, determinou, na última quarta-feira (18/01), que a Justiça Federal em Minas Gerais promova o imediato andamento do processo penal com o argumento de que há riscos de prescrição de crimes apontados pelas investigações da tragédia.
Também na quarta-feira, a juíza Renata Nascimento Borges, da Comarca de Brumadinho onde até então tramitava a ação criminal, assinou despacho, remetendo os autos do processo à 9ª Vara Federal, em Minas Gerais, instância que será responsável pelo andamento da ação judicial.
Manobras jurídicas
Segundo Andresa, a transferência do caso para a Justiça Federal revela que os familiares e atingidos pelo crime da Vale estão “órfãos da Justiça” em um “deserto de manobras jurídicas”. “É muito triste sermos prisioneiros de um crime que foi cometido por duas empresas [referindo-se à Vale e à empresa alemã Tüv Süd, que atestou a segurança da barragem que se rompeu]. Nós, familiares e moradores das comunidades, somos reféns e prisioneiros desta tragédia. Quem cometeu o crime segue livre e a gente, que vive no território, perdeu aquilo que não se repara, que é a vida”, afirmou Andresa. Seu único filho, Bruno Rocha Rodrigues, que era funcionário da Vale, é uma das 272 vítimas fatais.
Ela relembrou que os corpos de três “joias” da tragédia-crime, como as vítimas são chamadas pela AVABRUM, seguem soterrados na “lama de sangue” da Vale: Maria de Lurdes da Costa Bueno, Nathalia de Oliveira Porto Araújo e Tiago Tadeu Mendes da Silva.
Evitar outras tragédias
Para a vice-presidente da AVABRUM, é muito importante que a Justiça ao redor do mundo, as instâncias do legislativo e do executivo de outros países estejam sensíveis e solidárias aos familiares e atingidos de tragédias como a de Brumadinho. “Desistir não é opção. Aquilo que não queremos para nós, não queremos para ninguém, nem aqui em Brumadinho, em Minas Gerais, no Brasil e no mundo. A Justiça mundial, órgãos do legislativo e executivo têm de abrir os olhos para quem é vítima, e não para o capital”, declarou Andresa.
De acordo com o consultor jurídico sênior do Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos, Ben Vanpeperstraete, que também participou do evento virtual, está em tramitação no Parlamento Europeu propostas de mudanças em regras legais que pretendem estabelecer, dentre outros pontos, obrigações para que empresas europeias investiguem, fiscalizem e monitorem parceiros comerciais de suas cadeias de valor ao redor do mundo. O objetivo é ampliar as restrições a parcerias comerciais de empresas europeias com corporações de outros países que violem direitos humanos e gerem danos e impactos ambientais.
O seminário também contou as presenças de Dom Vicente de Paula Ferreira, bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e membro da Comissão de Ecologia Integral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e de Antonia Klein, advogada e consultora jurídica sênior do Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos. Dom Vicente abordou, dentre outros pontos, a importância de se garantir a memória da tragédia-crime de Brumadinho e sobre a luta de familiares e atingidos desde o dia do rompimento da barragem. Já Antonia Klein forneceu informações sobre o andamento de um processo judicial em Munique, na Alemanha, contra a Tüv Süd.
Legenda da foto: Vice-presidente da AVABRUM, Andresa Aparecida Rocha Rodrigues, mãe Bruno Rocha Rodrigues, que era funcionário da Vale, e é uma das 272 vítimas fatais da tragédia-crime