Estudo da UFMG simula atmosfera de 2100 para entender impacto do clima na produção de alimentos
Pesquisadores mostram que o girassol, que tem características comuns a mais de 80% das plantas, pode se adaptar, mas com efeitos indesejáveis
As mudanças climáticas poderão ser uma das principais causas do desaparecimento de espécies nos próximos anos. Para medir o impacto dessas transformações, pesquisadores da UFMG estão recriando as condições atmosféricas previstas para o ano de 2100, com níveis mais altos de CO2 e temperaturas até 3ºC mais altas que as atuais. Em estufas que funcionam como cápsulas do tempo, estão sendo cultivadas plantas essenciais para a alimentação e a economia brasileira. A questão é: como vamos sobreviver no futuro próximo?
Em estudo inédito publicado em uma das mais prestigiadas revistas de botânica do mundo, Environmental and Experimental Botany, pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG demonstraram o impacto do aumento do dióxido de carbono, combinado com altas temperaturas, no desempenho do girassol. O Helianthus annuus (nome científico da planta) é produto importante para o Brasil, matéria-prima para a produção de óleos alimentícios e biodiesel. O cultivo tem aumentado no Cerrado, bioma já castigado pela desertificação e identificado como um dos locais que mais serão afetados pelo aumento da temperatura e pela crise climática.
Além da importância econômica, outro fator faz do comportamento dos girassóis peça importante para a análise das condições de sobrevivência do planeta: as características de seu metabolismo. “A adaptação da planta relacionada à fotossíntese é similar a de 84% de todas as espécies de plantas do planeta (da categoria chamada de C3), o que significa que os resultados dos estudos com girassóis indicam o impacto das emissões de carbono para a grande maioria das plantas, incluindo soja e feijão”, afirma a doutoranda Renata Maia, primeira autora do artigo. Ela informa que já foram feitos experimentos também soja, milho e até lagartas em estudos similares, que demonstraram a complexa interação entre as mudanças climáticas e o comportamento adaptativo das plantas.
Cápsulas do tempo
Os girassóis foram inseridos em câmaras de topo aberto, estruturas de acrílico com mais de dois metros de altura. O gás carbônico é injetado e monitorado nessas câmaras, enquanto o ambiente pode ser aquecido para simular condições de altas temperaturas. O sistema é controlado por instrumentos que avaliam os gases e o calor a cada segundo.
Esse experimento atestou que, no “planeta do futuro”, com temperaturas mais altas e mais carbono na atmosfera, os girassóis conseguirão se adaptar para realizar mais fotossíntese e reduzir os danos causados pelo clima. O custo dessa adaptação, porém, foi alto. As flores tiveram seu tamanho reduzido e passaram a produzir muitas sementes vazias e pólen de pior qualidade. Até a cor das pétalas ficou diferente.
As consequências disso vêm em cadeia e podem ser desastrosas, uma vez que flores com cores diferentes não são mais atrativas para as mesmas espécies de polinizadores, e o pólen, principal fonte de nutrientes para eles, afetaria diretamente centenas de insetos e pássaros.
“Os estudos que simulam as condições ambientais do futuro são fundamentais para desenvolvermos estratégias de preservação que assegurem a segurança alimentar, nossa sobrevivência e a das demais espécies. É uma visão valiosa de como os ecossistemas vão responder às mudanças climáticas e do que vamos enfrentar caso não tomemos medidas drásticas”, afirma Renata Maia, que é orientada pelo professor Geraldo Wilson Fernandes.
As implicações do estudo extrapolam o laboratório. Os efeitos do aumento do CO2 e da temperatura no planeta podem resultar em grandes impactos na biodiversidade, na economia e na alimentação mundial, caso não se consiga reverter as emissões de gases no planeta. O estudo enfatiza que compreender a extensão desses efeitos é essencial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de mitigação das consequências negativas e otimização na produção de alimentos e sustentabilidade agrícola diante das mudanças climáticas.
O artigo é assinado também por pesquisadores do Canadá e das universidades federais de Viçosa e do Oeste do Pará.