Pesquisa com participação da UFMG constata que escolas particulares vendem 50% mais ultraprocessados do que alimentos saudáveis
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Alimentos ultraprocessados e preparações culinárias baseadas nestes alimentos (AUPP) são aproximadamente 50% mais comercializados do que os in natura, minimamente processados, processados e preparações culinárias baseadas nestes alimentos (AIMPP) nas cantinas de escolas particulares no Brasil. No comércio ambulante, essa diferença é ainda mais acentuada, chegando a 117%. É o que revela o estudo pioneiro Comercialização de Alimentos em Escolas Brasileiras (Caeb), coordenado por um grupo de pesquisadores vinculados a seis universidades públicas brasileiras, entre elas a UFMG, que avaliou aspectos relacionados à comercialização de alimentos e bebidas em 2.241 cantinas escolares e de 699 ambulantes no entorno de escolas privadas de ensino fundamental e médio nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal.
Os resultados chamam atenção para a preocupante oferta de AUPP no ambiente escolar, voltada para crianças e adolescentes. Dentro das cantinas escolares, o refrigerante também foi o mais consumido, com expressivos 61,80%; na sequência, estão o salgado assado com recheio ultraprocessado (47,88%), bombom ou chocolate (37,97%) e salgadinhos de pacote (37,48%). No comércio de ambulantes, os alimentos mais consumidos que se destacaram foram: refrigerante (46,2%), guloseimas (29,6%), salgadinho de pacote (21,5%) e pipoca de pacote (19%).
No grupo de alimentos in natura, minimamente processados ou processados e preparações culinárias baseadas nestes alimentos (AIMPP), entre os mais consumidos nas cantinas estão a água (79,70%); sucos naturais de fruta (70,54%), bolos de preparação culinária (59,43%), salgado assado sem recheio ultraprocessado (53,27%) e os sucos 100% integrais em caixinha, lata ou garrafa (37,57%). A água também foi a mais comercializada por ambulantes no entorno de escolas particulares, seguida do café (12,2%), do bolo de preparação culinária (11,6%) e do suco natural de fruta (11,3%).
Para a coleta de informações com ambulantes e gestores de cantinas, foi realizado um questionário que contemplou questões distribuídas em três seções: informações da cantina ou do ambulante (identificação e caracterização); comercialização, variedade, tamanho, valor do menor preço e estratégia de venda (promoção/combo) dos alimentos, bebidas e preparações culinárias e presença de publicidade dos alimentos e bebidas.
Além da Escola de Enfermagem da UFMG, 23 instituições de ensino superior públicas brasileiras participam do levantamento. Uma das coordenadoras do estudo, a professora da UFMG Larissa Mendes Loures, enfatiza que o ambiente alimentar escolar no Brasil desempenha um papel crucial na formação de hábitos e preferências alimentares entre crianças e adolescentes e que a qualidade dos alimentos disponíveis nas escolas influencia diretamente a saúde e o bem-estar dos estudantes. Ela destaca que há um contraste no ambiente alimentar entre as escolas públicas e privadas.
“As escolas públicas têm um papel destacado nesse contexto, pois a maioria apresenta um ambiente que promove a alimentação adequada e saudável por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que oferta refeições alinhadas com as recomendações das versões atuais dos guias alimentares brasileiros. Esse programa visa garantir a segurança alimentar e nutricional, promovendo uma alimentação adequada e saudável, além de ser um importante instrumento para o desenvolvimento biopsicossocial dos alunos. Já as escolas privadas, frequentemente, apresentam um ambiente alimentar mais obesogênico, com maior disponibilidade de produtos ultraprocessados e menos opções saudáveis”, ressalta Larissa Loures.
Tipo de refeições comercializadas
Quase a totalidade das cantinas das escolas particulares (92,54%) comercializa lanches. Observou-se também que 22,13% e 23,82% das cantinas avaliadas no país oferecem café da manhã e almoço, respectivamente. Em relação ao café da manhã, mais da metade das cantinas em Boa Vista, Distrito Federal, Porto Alegre e Vitória comercializam essa refeição. E mais da metade das cantinas em Belo Horizonte, Distrito Federal e Vitória ofertam o almoço. Apenas 5,48% das cantinas no país ofertam jantar, sendo as maiores frequências encontradas em Campo Grande (29,3%), Vitória (26,67%) e São Paulo (24,80%).
No conjunto de todas as 26 capitais e o Distrito Federal, observou-se que cerca de um quinto das cantinas (20,16%) oferecem refeição (comida). Apenas no Distrito Federal (59,22%) e em Belo Horizonte (51,32%) foi observado que mais da metade das cantinas oferecem refeição (comida).
A professora Larissa Loures destaca ainda que, nessas escolas, apenas 26,95% das cantinas desenvolvem ações que incentivem a alimentação saudável. “Nas análises estratificadas, identificamos que apenas em Belo Horizonte, Campo Grande, Manaus, Palmas, Porto Alegre, Porto Velho, Salvador e São Paulo mais da metade das cantinas desenvolve ações que incentivem a alimentação saudável”.
Publicidade dos alimentos
No estudo, foi constatado também que 36,09% das cantinas apresentam pelo menos uma estratégia de publicidade de alimentos in natura ou minimamente processados comercializados e 37,38% de publicidade de alimentos ultraprocessados.
Já no comércio ambulante no entorno de escolas particulares, a exposição de publicidade (banner/cartaz do fornecedor, banner/cartaz do ambulante, vestimenta, réplica do produto, cardápio, embalagem, painel/televisão, folder, displays e brindes) vinculada a alimentos minimamente processados, processados e preparações culinárias baseadas nestes alimentos e alimentos ultraprocessados e preparações culinárias baseadas nestes alimentos foi de 86,8% e 72,7%, respectivamente.
Importância do nutricionista nas cantinas
Considerando o conjunto de todas as 26 capitais e o Distrito Federal, um pouco mais da metade das cantinas (50,55%) tem nutricionista. Nas análises estratificadas por cidades, observou-se o mesmo cenário, com exceção de Aracaju, Belém, Boa Vista, Cuiabá, Goiânia, Macapá, Maceió, Porto Velho, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro e Salvador, que foram as cidades em que menos da metade das cantinas tem nutricionista. A professora Larissa Loures enfatiza que a presença de nutricionistas nas escolas privadas diminui a quantidade de ultraprocessados comercializados. “Isso foi constatado no estudo, já que as capitais em que esses profissionais de saúde atuam nas escolas tiveram melhor desempenho no índice de saudabilidade calculado pela pesquisa”.
Projeto Caeb
O projeto Caeb reúne informações sobre a comercialização de alimentos e bebidas em cantinas e lanchonetes de escolas privadas e também do entorno dessas unidades de ensino. A pesquisa foi realizada em parceria com o instituto Vox Populi. Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), conta com o apoio da ACT Promoção da Saúde, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto Ibirapitanga e do Instituto Desiderata.
Os dados obtidos foram analisados com a finalidade de embasar a criação de propostas que contribuam para escolhas alimentares mais saudáveis pelos alunos.
As escolas foram selecionadas por sorteio, e a participação na pesquisa ocorreu com a livre concordância do proprietário ou gestor responsável pela cantina e dos comerciantes ambulantes. Foram coletadas informações sobre preço, disponibilidade e qualidade das bebidas e alimentos comercializados. Os estabelecimentos participantes receberão, gratuitamente, um diagnóstico sobre a situação da sua atividade de comércio de alimentos e bebidas nas escolas. “Essas informações também serão tratadas de modo confidencial e serão compartilhadas apenas com o gestor responsável pelo comércio, que foi a pessoa que respondeu à pesquisa. O diagnóstico inclui um esquema de fácil visualização que mostra o percentual de alimentos in natura, minimamente processados e ultraprocessados oferecidos pelos estabelecimentos. A devolutiva indica os pontos críticos desse comércio e fornece dicas de como melhorar o negócio, tornando-o mais alinhado às últimas recomendações para uma alimentação adequada e saudável. Por fim, o participante da pesquisa receberá um guia prático para a implementação de uma cantina saudável em formato de e-book”, esclarece a professora Larissa.