Acolhimento de pessoas autistas depende de mudanças na sociedade e no poder público

Parlamentares e especialistas destacam crescimento do número de diagnósticos em debate público na ALMG
“As nossas estruturas sociais, sejam do poder público ou privado, estão adaptadas para que a gente acolha as pessoas neurodiversas?”. O questionamento foi feito pela deputada Maria Clara Marra (PSDB), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), durante a abertura do Debate Público Autismo, Saúde e Educação: Desafios e Perspectivas no Estado de Minas Gerais, que está sendo realizado nesta segunda-feira (31/3/25), no Auditório José Alencar.
A parlamentar enfatizou que a sociedade precisa acompanhar o crescimento do número de diagnósticos de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Segundo dados do Centro de Prevenção e Controle de Doenças do Brasil (CPCD-BR), a cada 30 nascimentos no País, um é de pessoa neurodivergente, número que tende a dobrar nos próximos anos.
Maria Clara destacou o trabalho que tem sido realizado pela Assembleia de Minas para acompanhar essa evolução, com a realização de diversas audiências públicas e a criação da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas com o Transtorno do Espectro Autista.
O deputado Cristiano Silveira (PT) saudou o fato de que o debate público ocorre no Abril Azul, mês dedicado à conscientização sobre o autismo. Ele afirmou que a discussão lhe é pessoalmente sensível, uma vez que ele mesmo é pai atípico, nome dado aos responsáveis pela criação de crianças com TEA ou algum outro tipo de deficiência.
O parlamentar atribui o aumento de diagnósticos ao avanço dos métodos e das técnicas que possibilitam identificar o quadro. “Antigamente o diagnóstico era baseado em estereótipos, hoje entendemos que um autista não é igual ao outro”, explicou.
Para a deputada Nayara Rocha (PP), o desconhecimento sobre o TEA leva ao preconceito. Ela cobrou mais investimentos em políticas públicas de assistência social ligadas ao tema.
Os parlamentares lamentaram o Veto 19/25, do governador, que aguarda análise pelo Plenário da ALMG. O veto incidiu justamente sobre a alocação de recursos para políticas voltadas para a assistência social e programas de apoio a pessoas com deficiência, previstos na revisão do Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG) 2024-2027 para o exercício de 2025.
Nesse sentido, a deputada Ana Paula Siqueira (Rede), também mãe atípica, salientou que o governador Romeu Zema precisa se comprometer com políticas públicas sociais. Ela ressaltou o grande volume de relatos de ausência assistencial do Estado, que se traduzem em famílias abandonadas, esgotadas e em sofrimento profundo.
Dificuldades de acesso à saúde e educação
Durante a mesa de abertura do debate, Luis Renato Pinheiro, coordenador estratégico de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência da Defensoria Pública de Minas Gerais, destacou os desafios de pais atípicos e pessoas autistas para acessarem os serviços públicos e privados de educação e saúde.
Ele explicou que, no caso das escolas, as dificuldades se apresentam desde o momento da matrícula até a inclusão dos estudantes. Para o defensor, as escolas regulares não estão preparadas para receber o aluno com autismo do ponto de vista técnico.
“O profissional de apoio escolar e o professor de educação especial têm que fazer parte do quadro das escolas, da mesma forma que o professor regente”, defendeu Luis Renato. Ele lembrou que o Brasil é signatário da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU), que preconiza a instituição de um modelo de educação inclusiva no País.
Assim como as escolas, o defensor acredita que os estabelecimentos de saúde também precisam avançar no acolhimento a pessoas autistas. Ele pensa que, além de não ser respeitada a prioridade de atendimento rápido para os pacientes com TEA, os profissionais de saúde não possuem conhecimento ou treinamento adequados, estando focados somente em suas especialidades.
Cuidado integral
A mesma preocupação com a formação e treinamento desses profissionais foi compartilhada na primeira mesa de discussões do debate público, que abordou o cuidado integral com a saúde das pessoas autistas.
Coordenador da Atenção Primária em Saúde em Pedro Leopoldo (Região Metropolitana de Belo Horizonte), o médico Thiago Becker constatou o despreparo total da rede de saúde para lidar com pessoas com TEA, amparada em políticas assitenciais não desenhadas especificamente para essa população. Na saúde suplementar, privada, a realidade é ainda pior, pois não há um trabalho em rede, observou.
O seu diagnóstico foi confirmado por Hellen Miyamoto, superintendente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), entidade que representa um mercado de 52 milhões de brasileiros atendidos. Os planos de saúde atuam em um modelo desintegrado, sob demanda do beneficiário.
Outros desafios, segundo ela, são a falta de padrões delimitados por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), apesar de ter tornado obrigatória, em 2022, a cobertura para qualquer método indicado para o tratamento do paciente com TEA, e a dificuldade de contratação de profissionais especializados, especialmente no interior.
De acordo com a advogada Daniele Avelar, especialista nos direitos das pessoas com deficiência, 70% dos casos de autismo são diagnosticados após os cinco anos de idade do paciente, devido à falta de capacitação na atenção básica. O mesmo quadro se repete já durante o tratamento, com a escassez, por exemplo, de neuropediatras e psiquiatras, complementou.
Cláudia Messias, terapeuta ocupacional da Prefeitrua de Belo Horizonte, destacou a necessidade de intervenção a tempo (não precoce, como se diz no senso comum). Conforme informou, há um janela de oportunidade de tratamento até os três anos da criança com TEA, mas parte importante do acompanhamento do desenvolvimento dessas crianças fica para trás, enquanto os pediatras “apagam incêndio” diariamente, em casos de urgência.
Coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa relatou o aumento exponencial de reclamações na ANS quanto ao atendimento prestado pelos planos de saúde às pessoas com autismo. Ele reforçou que esses planos não podem descredenciar hospitais e profissionais a seu bel-prazer nem rescindir contratos de forma unilateral, como vem ocorrendo. “O tratamento do autista não é temporário, não pode ser interrompido em hipótese nenhuma”, advertiu.
Governo destaca investimento em serviços para pessoas com TEA
Subsecretária de Estado de Saúde, Camila Moreira admitiu, diante dos inúmeros relatos no debate público, a necessidade de se avançar mais nas políticas públicas voltadas aos autistas, mas salientou investimentos inéditos do governo.
Na Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência, o atendimeto ao TEA se concentra nos Centros Especializados em Reabilitação (CER), com maior complexidade e suporte especializado, e nos Serviços Especializados de Reabilitação em Deficiência Intelectual (SERDI), de maior capilaridade, sendo a maioria Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes).
Os SERDIs são responsáveis pela avaliação diagnóstica e a definição do Projeto Terapêutico Singular (PTS), assim como pelo atendimento multidisciplinar do pacientes e a articulação com outras áreas da saúde e intersetorial. A subsecretária destacou o repasse de R$ 14,2 milhões para o credenciamento de novos serviços e a qualificação do atendimento.
Outras iniciativas elencadas pela gestora foram o Programa de Intervenção Precoce Avançado (Pipa), focado no acompanhamento de bebês de até dois anos com indicativos de TEA, e a criação de parques multisensoriais, dotados de novas tecnologias para otimizar os atendimentos das pessoas com autismo.
Semana de Conscientização
Em Minas Gerais já existe a “Semana Estadual de Conscientização sobre os Transtornos do Espectro do Autismo”, realizada anualmente na semana em que recair o dia 2 de abril, instituída pela Lei 22.419, de 2016, criada na Assembleia.
Fonte: Acolhimento de pessoas autistas depende de mudanças na sociedade e no poder público – Assembleia Legislativa de Minas Gerais
Legenda da foto em destaque: deputada citou necessidade de mudanças estruturais na sociedade, logo no início do debate Foto: Guilherme Bergamini