Entidades lançam campanha nacional para inserir na Constituição Federal o Cerrado e Caatinga como patrimônios do Brasil
Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal e outros biomas já são considerados patrimônios nacionais, e por isso – ao contrário da Caatinga e do Cerrado – têm maiores chances de proteção em políticas públicas
A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, juntamente com a ASA (Articulação Semiárido Brasileiro), povos e comunidades tradicionais, movimentos e entidades lançarão no dia 11/09, Dia do Cerrado, uma campanha nacional pela aprovação da PEC 504 (Proposta de Emenda Constitucional), que pretende transformar Caatinga e Cerrado em patrimônios nacionais, protegidos pela Constituição Federal.
Com o lema “Cerrado e Caatinga, patrimônios do Brasil: riqueza presente, herança futura”, a campanha está centrada na mobilização da sociedade civil e parlamentares sobre a importância da aprovação da PEC para a proteção destas duas regiões ecológicas e de seus povos. Uma das estratégias da campanha é apontar, por meio de dados e narrativas dos povos e comunidades tradicionais, a total interdependência entre os dois biomas, e também a relação vital entre campo e cidade na garantia de água potável e alimento saudável para todas e todos, e para mitigar e conter os efeitos da emergência climática.
Uma nota técnica, produzida pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e pela ASA, e assinada por mais de 50 entidades de todo o país, apresenta o panorama de urgência de aprovação da PEC para a proteção destas duas regiões ecológicas e de seus povos.
Após ter passado por diversos trâmites no legislativo ao longo de quase três décadas – desde 1995 -, a PEC está pronta para ser votada. Cabe agora ao presidente da Câmara dos Deputados, em conjunto com o colegiado de líderes dos partidos, acordar a colocação do projeto em pauta para votação. Após aprovação, que necessita de 308 votos favoráveis, a PEC deve ser promulgada pelo Congresso Nacional e passar a ter vigência imediata.
Um milhão de assinaturas e audiência pública
A principal ferramenta de mobilização da campanha é o abaixo-assinado pela aprovação da PEC 504 aberto pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado na plataforma Change.org em 2017, e que soma hoje mais de meio milhão de assinaturas: https://www.change.org/aprovapec504. O objetivo é chegar a um milhão de adesões e entregá-las em mãos a parlamentares responsáveis pela votação do projeto de emenda constitucional.
O lançamento da campanha será marcado pela estreia de seu vídeo oficial, com informações sobre a PEC 504, o Cerrado e a Caatinga. Ao longo da campanha, o vídeo oficial será acompanhado por mensagens, também em vídeo, de artistas, comunicadoras/es e influenciadoras/es que convidarão a sociedade a aderir ao abaixo-assinado: “Assine a petição pela aprovação da PEC 504: um milhão pela Caatinga e Cerrado, um milhão pelos patrimônios do Brasil.
Dia 12/09, às 15hs, um dia após o lançamento da campanha, acontecerá no Plenário 12 da Câmara dos Deputados, em Brasília, uma audiência pública para discutir os rumos da aprovação do projeto, a urgência em se garantir maior proteção à Caatinga e ao Cerrado e a relação intrínseca dessas duas regiões ecológicas com os demais biomas brasileiros. Participarão da audiência pública entidades, movimentos, representantes de povos e comunidades e parlamentares.
Rodada de visitas a parlamentares
O lançamento da campanha é precedido por uma rodada de visitas a parlamentares em Brasília, que acontece desde o dia 28 de agosto e vai até 01 de setembro, realizada por membros de entidades da Caatinga e do Cerrado para a entrega da nota técnica produzida pelas entidades para subsidiar o debate em torno da PEC. A rodada está sendo divulgada no Twitter da Campanha Cerrado. A mobilização nacional pela aprovação da PEC 504 também contará, ao longo do próximo ano, com uma série de ações e produtos para garantir a mobilização e o debate público, como peças gráficas, vídeos, podcasts, exposições, projeções em espaços públicos e encontros com povos e comunidades do campo e da cidade.
Sobre a PEC 504
A PEC 504/2010 trata da inclusão do Cerrado e Caatinga no artigo 225, parágrafo 4º, da Constituição Federal de 1988, que reconhece a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira como patrimônio nacional. A redação desse artigo assegura que a utilização econômica dos recursos naturais das regiões ecológicas reconhecidas como patrimônio nacional se realize na forma da lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente.
O reconhecimento das regiões acima citadas como patrimônio nacional foi resultado de mobilizações das organizações ambientalistas e movimentos sociais no período da Assembleia Nacional Constituinte (1987-88), e tem contribuído efetivamente para uma maior valorização social e para o surgimento e consolidação de legislações com conteúdo específico relacionadas às regras de preservação dessas regiões ecológicas, como por exemplo, a regulamentação feita pela Lei da Mata Atlântica (Lei Federal nº 11.428/2006) à supressão de vegetação em médio estágio de regeneração, e o estabelecimento da reserva legal em no mínimo 80% da área total dos imóveis rurais incidentes na Floresta Amazônica (Lei Federal nº 12.651/2012).
O Cerrado e a Caatinga, apesar de não contemplados no texto constitucional, são regiões estratégicas para o equilíbrio ecológico e a sociobiodiversidade do planeta. O Cerrado é o berço das águas e a caixa d’água do Brasil, onde brotam as nascentes e são guardadas as reservas dos principais rios do país. A Caatinga é terra fértil onde a agricultura familiar se adapta com o armazenamento de água e sementes, produzindo alimento saudável em abundância para as pessoas do campo e da cidade.
Juntos, incluindo suas áreas de transição, ocupam aproximadamente 45% do território brasileiro. Formam com a Amazônia, a Mata Atlântica, o Pantanal e os Pampas, as seis regiões ecológicas que compõem o meio físico do Brasil. A ausência de ambos no parágrafo 4º do art. 225 da Constituição Federal é uma omissão grave, segundo reiterados posicionamentos de movimentos sociais, povos e comunidades tradicionais, organizações ambientalistas, especialistas e instituições das mais diversas áreas do conhecimento.
Desmatamento acelerado nas regiões
O Cerrado ocupa 1/4 do país e já tem 50% dessa área desmatada, 98% corresponde à pecuária. Dados recentes divulgados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que o Cerrado teve o pior semestre de desmatamento desde o início da série histórica, em 2018. A região ecológica perdeu 4.408 km² de mata nos primeiros seis meses deste ano, uma alta de 21% em comparação com primeiro semestre de 2022. Essa opção de política econômica e ambiental é marca da violência estrutural contra povos e comunidades tradicionais e expõe sumariamente que a deliberação de implantar os projetos ditos de desenvolvimento, significam a invasão, privação, redução e negação do direito aos territórios tradicionalmente ocupados, previsto no artigo 231 da Constituição Federal de 1988.
A Caatinga, por sua vez, além de perder 10% de sua vegetação nativa entre 1985 e 2020, o que equivale a 15 milhões de hectares, teve mais de 15% da sua área queimada neste mesmo período, totalizando 13.770 hectares, segundo dados do estudo “Mapeamento Anual de Cobertura e Uso da Terra na Caatinga”, realizado pelo MapBiomas. O mesmo estudo aponta que houve perda de mais de 160 mil hectares de superfície de água, uma diminuição de 16,75%, colocando em risco o abastecimento humano de mais de 25 milhões de pessoas que habitam nesta região ecológica.
A aprovação da PEC nº 504/2010, portanto, visa corrigir erro histórico cometido pelos deputados constituintes ao não incluírem essas duas regiões ecológicas brasileiras no parágrafo 4º do artigo 225 da Constituição Federal. A redação final da emenda em tramitação, após o apensamento de outras propostas, é a seguinte:
“Parágrafo 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense, a Zona Costeira, o Cerrado e a Caatinga são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á em conformidade com os zoneamentos elaborados pelos estados, e dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida do seu povo.