Estudo nacional realizado por pesquisadores da UFMG, que pandemia piorou indicadores de atividade física, obesidade e morbidade por doenças crônicas
Um estudo nacional realizado por pesquisadores da UFMG, com aproximadamente 54 mil pessoas, comparou as mudanças ocorridas nos comportamentos de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), morbidade referida e realização de exames preventivos de câncer antes e ao final da terceira onda da pandemia de covid-19 no Brasil. Os resultados apontaram redução da prevalência da prática de atividade física (AF) no tempo livre e no deslocamento; aumento da prevalência de adultos com prática insuficiente de AF, do comportamento sedentário e inatividade física nos anos de pandemia. Também houve piora nos indicadores de excesso de peso, obesidade e diabetes. A hipertensão, estável no período de 2009 a 2019, aumentou nos anos da pandemia. Além disso, ocorreu redução das coberturas de exames preventivos de mamografia e citologia do colo de útero.
O artigo foi publicado no dia 28 de dezembro de 2023, na última edição da Revista Ciência & Saúde Coletiva. A professora da Escola de Enfermagem da UFMG Deborah Carvalho Malta, primeira autora do estudo, explica que ele foi realizado com adultos de 18 anos ou mais, residentes nas capitais dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal que tinham telefone fixo. “É uma série histórica do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), entre 2006 e 2021. Os achados apontam piora dos indicadores de DCNT. Por isso, ações de promoção à saúde tornam-se prioritárias nesse contexto”, ressaltou a professora.
A prática de atividade física no tempo livre diminuiu de 39,0%, em 2019, para 36,7% para a população total, em 2021. No sexo masculino, a queda foi de 46,7% para 43,1% e entre as mulheres houve uma redução de 32,4% para 31,3%.
A prevalência de atividade física no deslocamento passou de 14,2%, em 2019, para 10,4%, em 2021, na população total. Entre os homens, de 14,5% para 10,8% e 13,8% para 10% entre as mulheres. “Os achados mostram de forma inédita que ocorreu redução no deslocamento ativo, em cerca de 30%. Ou seja, após dois anos do início da pandemia, os níveis de deslocamento se mantêm baixos, possivelmente por persistirem os trabalhos a distância, em home office, mas também pelo aumento do desemprego”, destacou Deborah Malta.
Por outro lado, a prevalência de adultos com prática insuficiente de atividade física aumentou na população total de 44,8% para 48,2%, entre os homens de 36,1% para 39,3%, e entre as mulheres de 52,2% para 55,7%.
A inatividade física aumentou na população total de 13,9% para 15,8%, entre os homens de 13,9% para 15,6%, e em relação às mulheres de 14% para 16%. O comportamento sedentário também aumentou, passando de 62,7% para 66% na população total, entre os homens de 63,9% para 66,7% e entre as mulheres de 61,7% para 65,4%. “Nesse sentido, o distanciamento desencadeou a redução das interações sociais e fez com que a população aumentasse o tempo em frente à TV e no tablet, computador e celular, tornando-se uma opção de lazer e também uma alternativa de trabalho remoto. A redução da atividade física e o aumento de comportamentos sedentários afetam negativamente a qualidade de vida e a saúde, tendo efeitos prejudiciais na saúde cardiovascular e na infecção por covid-19, além de repercussões na saúde mental e de poder resultar no aumento de mortes prematuras e evitáveis”, pontuou a professora.
Em relação ao excesso de peso, o aumento foi de 55,4% para 57,2% em 2021/2022. Também aumentou a prevalência de obesidade, que era de 20,3%, em 2019, para 22,4%, em 2021/2022. A obesidade também aumentou nos homens, passando de 19,5% para 22%.
Sobre a morbidade referida, houve aumento na prevalência autorreferida de hipertensão na população total de 24,5% para 26,3%, e entre homens de 21,2% para 25,4%. A prevalência autorreferida de diabetes aumentou de 7,5% para 9,1% para a população total, em mulheres de 7,8% para 9,6% (IC95%: 8,8; 10,5), e entre os homens de 7,1% para 8,6%.
O estudo mostra, ainda, retrocesso na realização de exames de detecção precoce de câncer em mulheres. Houve redução da realização da mamografia, que vinha em ascensão no período, e da citologia oncótica, que se encontrava estável. Houve redução da cobertura de mamografia nos últimos dois anos, passando de 76,9%, em 2019, para 72,8%, em 2021/2022. Houve diminuição da cobertura do exame de citologia do colo de útero nos últimos três anos, reduzindo de 81,5%, em 2019, para 77,2%, em 2021/2022.
Elaboração e reformulação de políticas públicas
A pandemia de covid-19 foi reconhecida em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em 26 de fevereiro e, até 28 de maio de 2022, foram registrados mais de 30,9 milhões de casos e mais de 666 mil óbitos no país, número este acima da média global durante 2020 e 2021.
Além das estatísticas de mortalidade, estudos têm apontado que as medidas de distanciamento social adotadas no enfrentamento à pandemia resultaram também em mudanças nos comportamentos e na saúde dos brasileiros, incluindo aumento dos sentimentos de solidão, tristeza, estresse e ansiedade, piora nos estilos de vida (diminuição da prática de atividade física (AF), aumento do consumo de bebidas alcoólicas, cigarros e de alimentos não saudáveis, entre outros.
Desse modo, destaca-se a importância desse estudo, que permitiu delinear um panorama do comportamento em saúde da população adulta das capitais brasileiras nos períodos pré e durante a pandemia de covid-19. “Assim, ajuda na elaboração e reformulação de políticas públicas, programar medidas de redução de desigualdades sociais e em saúde baseadas em evidências, bem como pode contribuir para o planejamento e organização dos serviços e programas de saúde no pós-pandemia”, enfatizou Deborah Malta.
Além da professora Deborah, o artigo é assinado pela residente pós-doutoral da Faculdade de Medicina da UFMG Crizian Saar Gomes; pelo mestrando da Escola de Enfermagem da UFMG Elton Junio Sady Prates e pela residente pós-doutoral da Escola de Enfermagem Regina Tomie Ivata Bernal.