O flagelo do desperdício de alimentos
João Guilherme Sabino Ometto*
É assustadora a revelação de que se jogaram fora mais de um bilhão de refeições por dia em todo o mundo no ano de 2022, segundo o Relatório do Índice de Desperdício Alimentar 2024, que acaba de ser divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Numa irônica estatística, 783 milhões de pessoas foram afetadas pela fome e um terço da humanidade enfrentou a insegurança e a incerteza quanto à possibilidade de comer de maneira regular.
Devido ao grave problema, que poderia ser muito atenuado pela consciência e melhores atitudes inerentes ao civismo, geraram-se 1,05 bilhão de toneladas de resíduos alimentares em 2022, totalizando 132 quilos per capita e quase um quinto de toda a comida disponível para os consumidores. Esse imenso volume, em vez de abastecer os necessitados, sobrecarregou os aterros sanitários, expeliu carbono e prejudicou o meio ambiente, agravando as mudanças climáticas e a poluição dos ecossistemas. Do total desperdiçado, 60% referem-se aos domicílios, 28%, aos restaurantes, bares e outros serviços do setor e 12%, ao varejo.
O impacto negativo alcança grandes proporções e merece máxima atenção da sociedade e dos governos. O PNUMA expõe dados preocupantes: as perdas de alimentos representaram entre 8% e 10% das emissões globais de gases de efeito estufa no período abrangido pelo relatório, quase cinco vezes mais do que o setor da aviação. Ademais, provocaram redução expressiva da biodiversidade, pois as lavouras do que foi desprezado ocupariam o equivalente a quase um terço das terras agrícolas mundiais. Há, ainda, o custo para a economia, estimado em cerca de um trilhão de dólares, valor maior do que o PIB da grande maioria das nações.
No Brasil, o cenário também é complicado e paradoxal, pois é um dos principais fornecedores de alimentos, mas um dos maiores esbanjadores. De acordo com o IBGE, cerca de 30% do total produzido são descartados, significando 46 milhões de toneladas e um prejuízo estimado em R$ 61,3 bilhões por ano. Há, ainda, os danos ambientais e sociais.
No País, que ocupa a 10ª posição no ranking do desperdício da ONU, o fato manifesta-se nas distintas etapas da cadeia alimentar. Na produção, as causas são fenômenos climáticos e falta de infraestrutura adequada de armazenamento e transporte. Na distribuição e comercialização, verifica-se acentuado descarte em decorrência de padrões exigentes de aparência e estética de frutas, verduras e legumes, além de dificuldades logísticas. No consumo das famílias, responsável por 60% das perdas, ocorrem compras excessivas, falta de planejamento de refeições e descuido com a conservação.
É urgente encontrar soluções para essa situação tão nociva à humanidade. Um caminho a ser seguido é apontado no próprio relatório do PNUMA: os esforços para reduzir o desperdício devem ser mais direcionados às cidades, porque as áreas rurais apresentam índices muito menores. Isso faz todo o sentido, pois quem sabe o quanto é duro plantar, colher e produzir alimentos não joga fora.
*João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).