Viajar de ônibus é drama sem fim para morador de Contagem

Viajar de ônibus é drama sem fim para morador de Contagem
Comissão recebe denúncias de passagem cara para veículos caindo aos pedaços, em número insuficiente e sempre atrasados

Faltam ônibus, mas sobram problemas e reclamações no sistema de transporte público municipal e intermunicipal de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Dispostos ao menos a extravasar sua indignação, dezenas de moradores lotaram as galerias da Câmara Municipal na noite desta quinta-feira (26/5/22), na audiência pública da Comissão de Transporte, Comunicação e Obras Públicas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

O debate atendeu a requerimento do deputado Celinho Sintrocel (PCdoB), diante do pedido de vereadores locais por uma intervenção urgente da comissão, da qual ele é membro permanente.

As reclamações vão desde a precariedade dos veículos, antigos e que quebram sem parar, deixando o usuário no meio do caminho, até a quantidade insuficiente deles a disposição, resultando em superlotação e atrasos constantes, sobretudo nos horários de maior demanda.

Para complicar, foi lembrado que durante a pandemia do coronavírus, as viagens foram drasticamente reduzidas. Mas mesmo com o relaxamento das medidas sanitárias, a oferta de viagens ainda estaria bem distante do patamar pré-pandemia. Acessibilidade então é luxo, já que quase sempre os elevadores para pessoas com deficiência estão estragados.

Acidente e tarifa salgada

A insegurança também foi lembrada, com vários participantes citando acidente recente com feridos ocorrido com um coletivo nas imediações do local da audiência pública, em pleno Centro de Contagem. O ônibus teria perdido os freios e uma tragédia maior só não aconteceu porque o motorista teria jogado o ônibus no poste em frente a uma agência bancária.

E tudo isso estaria acontecendo com o usuário pagando uma das tarifas mais caras do Estado. O valor da tarifa pago pelos usuários nos ônibus municipais é de R$ 5, após reajuste de 11% autorizado a partir do último dia 6 de fevereiro, quando a passagem aumentou R$ 0,50. Já as passagens intermunicipais variam conforme o destino. No caso dos ônibus metropolitanos, a mais usada foi de R$ 5,85 para R$ 6,60 em fevereiro.

Dois sistemas, ambos ruins

insatisfação dos usuários do transporte coletivo de Contagem abrangem tanto o transporte municipal quanto o intermunicipal, já que a maior parte dos moradores de Contagem são penalizados porque vão e voltam todos os dias da Capital ou de outras cidades da RMBH e acabam utilizando os dois sistemas.

Segundo Celinho Sintrocel, todos os relatos feitos na audiência foram coletados e serão tema de requerimentos. Com as respostas em mãos, uma nova audiência deve acontecer o mais rápido possível para avaliar o que pode ser feito.

Uma das sugestões repetidas no debate foi a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a suposta cartelização das empresas de ônibus em comparação com o descumprimento sistemático dos contratos e a inoperância dos órgãos reguladores e fiscalizadores.

Ao final da reunião, um dossiê contendo cerca de 400 denúncias com infrações das empresas aos contratos e um abaixo-assinado enumerando reclamações foram também entregues ao deputado.

FAIXAS E GRITOS DE PROTESTO

A insatisfação dos usuários ficou expressa nas inúmeras faixas estendidas no Plenário da Câmara de Contagem, com dizeres como “Fora Transimão” (uma das concessionárias do serviço), “Renova frota, ônibus de qualidade e respeito à população”, “O povo quer a volta da ampliação do quadro de horário” e “Sem exploração ao motorista e valorização da categoria”.

Além de reclamações mais gerais, alguns casos específicos também foram citados. Uma das faixas exibidas, por exemplo, destacava: “Nós moradores do bairro Bela Vista pedimos a volta da linha 1100 e melhorias na linha 7840”. Sobraram também reclamações do serviço prestado em regiões como Nova Contagem, Riacho e Vargem das Flores.

Nas galerias, antes e durante a audiência, também foram ouvidas diversas manifestações de protesto do público, muitas aos gritos, sobretudo durante as justificativas dadas pelos representantes do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros Metropolitano (Sintram), da Autarquia Municipal de Trânsito e Transportes de Contagem (Transcom) e do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais (DER-MG).

SUCATEAR PARA ACABAR

O sucateamento do sistema pode levar ao fim do transporte público, segundo o deputado Celinho Sintrocel 

O sucateamento do sistema pode levar ao fim do transporte público, segundo o deputado Celinho Sintrocel – Foto: Daniel Protzner

“É um serviço essencial previsto na Constituição Federal. Os governos, em todos os níveis, são obrigados a garantir o transporte de qualidade. Se continuarem permitindo o sucateamento do sistema, em breve não teremos mais transporte público”, afirmou Celinho Sintrocel, que defendeu a criação de subsídios para que os usuários paguem uma passagem mais barata, sem que as empresas de ônibus aumentem ainda mais seus lucros.

O deputado Cleitinho Azevedo (Cidadania), por sua vez, prometeu ajudar a população a fiscalizar e denunciar abusos. “O transporte de passageiros não é público, é privado, voltado para o benefício das empresas, senão a população não estaria reclamando”, criticou.

Vários vereadores de Contagem também participaram da audiência e endossaram as reclamações da população.

Transimão e Novo Retiro são as mais citadas

Convidados para a audiência, nenhum representante das empresas que prestam serviço em Contagem compareceu: Urca Auto Ônibus, Viação Transmoreira, Laguna Auto Ônibus, São Gonçalo, Turilessa, Transimão e Novo Retiro. Essas duas últimas foram as “campeãs” de citações negativas ao longo da audiência pública.

O diretor de Operação Viária do DER-MG, Cristiano Francisco Ferreira Soares Coelho, justificou que a atribuição do órgão é apenas a fiscalização, cabendo a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Desenvolvimento (Seinfra) atribuições como a fixação do quadro de horários. “De 2020 até abril de 2022 emitimos quase 30 mil multas, mas as empresas entram com recursos e o processo é moroso”, lamentou.

O presidente da Transcom e do Conselho Municipal de Transportes, Marco Antônio Silveira, disse que o órgão e a população são aliados na defesa da qualidade do transporte público, reconheceu todos os problemas citados, mas alegou que apenas 30% da demanda é efetivamente do transporte municipal. Para solucionar os problemas que dizem respeito ao município está sendo implantado um novo sistema de integração, mas para que ele funcione será preciso a colaboração do Estado.

SISTEMA DEFICITÁRIO

Janine Silva reconheceu o alto valor das passagens, mas disse que ele não remunera os custos dos serviços 

Janine Silva reconheceu o alto valor das passagens, mas disse que ele não remunera os custos dos serviços – Foto:Daniel Protzner

E a assessora jurídica do Sintram, Janine Silva de Almeida Ramalho, prometeu levar todas as reclamações ao conhecimento das direções das empresas, mas alegou que o sistema é deficitário.

“Sei que passagem a R$ 5 é um preço alto, mas ainda não remunera os custos dos serviços. O poder público tem que injetar mais dinheiro, pois não é justo que os trabalhadores arquem com tudo. Só o preço do óleo diesel dobrou com relação ao ano passado. Todo mês o sistema fecha no vermelho”, apontou.

“Sem subsídio o transporte público de passageiros vai falir em Contagem e em todo o Brasil. Muitas cidades já estão sem serviço, com licitações desertas”, apontou.

Ao apontar a diferença entre tarifa de remuneração (que cobre os custos da empresa) da tarifa pública (o que o usuário consegue pagar), a assessora jurídica sugeriu ainda a criação de um fundo municipal de transporte para ancorar o sistema, o que já estaria sendo adotado em várias partes do País.

Legenda da foto em destaque: Indignados, moradores lotaram Câmara Municipal de Contagem – Foto: Daniel Protzner